Publicação Conflitos no Campo da CPT revela crescimento da violência e das desigualdades no Brasil em 2020

 

Nesta segunda-feira (31), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou a 35ª edição da publicação anual da CPT sobre conflitos no campo. O novo caderno revela que em 2020 foram 2.054 ocorrências de conflitos no campo, envolvendo quase 1 milhão de pessoas. Além disso, foram 1.576 ocorrências de conflitos por terra, o que equivale a uma média diária de 4,31 conflitos por terra, que envolveram 171.625 famílias brasileiras. 81.225 famílias tiveram suas terras e territórios invadidos em 2020.

“Muito além dos números os dados da nossa publicação anual traz histórias de quase 1 milhão de pessoas (agricultores(as) familiares, quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, etc.) vítimas de conflitos por terra e água, e em um contexto de grave pandemia que atravessa o Brasil e o mundo”, disse Isolete Wichinieski , da Coordenação Nacional da CPT.

A publicação também mostra que no ano passado foram mortas 4 pessoas em conflitos pela água, maior número já registrado nesse tipo de conflitos, e todas foram vítimas do mesmo crime, que ficou conhecido como Massacre do Rio Abacaxis, no Amazonas. Além disso, aumentou os conflitos trabalhistas, 96 ocorrências, o maior número em 6 anos. 1.104 trabalhadores e trabalhadoras estavam nessas ocorrências, um aumento de 25% em relação ao ano de 2019.

Violência crescente

Os dados gerais de conflitos no campo mostram que o número de ocorrências passou de 1.903 em 2019, para 2.054 em 2020, um aumento de 8%. O número de pessoas envolvidas nesses conflitos passou de 898.635, em 2019, para 914.144, em 2020, um aumento de quase 2%.

Comparando o número de ocorrências de conflitos por terra de 1985 a 2020, percebe-se um aumento considerável da violência no campo, de maneira especial nos últimos dois anos. O relatório de Conflitos relativo aos dados de 2019 apresentava um aumento de 26% comparado com os dados de 2018 (de 1.000 ocorrências passou-se para 1.260). Em 2020, o aumento foi de 25%, alcançando 1.576 ocorrências, perfazendo um total de 21.801 ocorrências nesses 35 anos. Tal quadro de agravamento dos conflitos fica mais evidente quando comparadas as porcentagens dos conflitos: se entre 1985 e 2009 a média anual das ocorrências era quase sempre abaixo de 3,0% do total, a partir de 2010, essa porcentagem foi sempre superior a 3,0%, tendo aumentado consideravelmente em 2019 (5,78% do total) e em 2020 (7,23%). O número de conflitos por dia, que tinha sido de 2,74 por dia em 2018, passou a 3,45 em 2019 e 4,31 em 2020.

No caso das famílias cujos territórios foram invadidos, houve um aumento de 102,85% de 2019 para 2020. 81.225 famílias tiveram suas terras e territórios invadidos em 2020. É o maior número desse tipo de violência já registrado pela CPT. 58.327 dessas famílias são de indígenas, ou seja, 71,8%.

Conflitos pela Água: recorde de assassinatos

Em 2020, o número de ocorrências de conflitos pela água diminuiu cerca de 30% em relação ao ano anterior. Isso se deve muito por conta de dois eventos de grande magnitude e com forte caráter conflituoso que aconteceram em 2019: o derramamento de óleo no litoral brasileiro, em especial na Região Nordeste, e o desastre provocado pelo rompimento da barragem B1 da mineradora Vale S.A, em Brumadinho (MG).

Entretanto, foram registrados quatro assassinatos nesse tipo de conflito, e esse foi o maior número de mortes em conflitos por água já registrados pela CPT, desde que ela passou a fazer o registro desse tipo de conflito, separado de “terra”, em 2002. Os quatro assassinatos ocorreram no que ficou conhecido como Massacre do Rio Abacaxis. Em agosto de 2020, Josimar Moraes Lopes, indígena Munduruku, e 3 ribeirinhos foram assassinados na região do Rio Abacaxis. Consta ainda o assassinato de dois policiais militares e, possivelmente de um traficante. Agentes da CPT Amazonas relataram se tratar de uma situação complexa, que envolve camponeses e indígenas, de um lado, pescadores ilegais e policiais do outro, e ainda um terceiro grupo formado por traficantes de drogas. Conforme o Ministério Público Federal (MPF), desde o ano de 2007 os indígenas denunciam a ocorrência de conflitos na região, causados pelo turismo de pesca esportiva, o garimpo irregular, o tráfico de drogas e o uso de armas de fogo. Nesse contexto, as comunidades locais são ameaçadas.

Segundo os dados do Cedoc, os conflitos pela água na última década apresentaram uma curva ascendente, aumentando mais de sete vezes, com agravamento a partir de 2018. Passando de 69 ocorrências, em 2011, para 502, em 2019, maior número contabilizado. Por mais que em 2020 tenha havido uma queda no total de ocorrências, o ano ainda é o segundo com mais conflitos pela água (350) e indica a manutenção do incremento da disputa por água.

Essa curva ascendente também é registrada se analisados os dados de famílias envolvidas em conflitos pela água. Se em 2011 foram contabilizadas 28.057 famílias envolvidas em conflitos, em 2019 esse valor praticamente triplicou, com 79.381 famílias. No período analisado, identificou-se um salto no envolvimento de mais famílias a partir de 2018. O caráter crescente da curva, tanto de conflitos pela água, como de famílias envolvidas, evidencia a importância de um olhar atento à questão da água. Afinal, a existência de conflitos indica tensões sobre a apropriação da água e seus usos.

Conflitos Trabalhistas: pandemia agudizou a vulnerabilidade dos trabalhadores e trabalhadoras

Em 2020 foram registradas 96 ocorrências de conflitos trabalhistas, um número quase 7% maior que em 2019, quando foram registrados 90. É o maior número dos últimos seis anos. Em 2020 esses conflitos atingiram 25% mais trabalhadores e trabalhadoras na denúncia do que no ano anterior. Foram 1.104, enquanto em 2019 tinham sido 883. Todos os anos, desde 2015, cresce o número de pobres e, contraditoriamente, cai o número de pessoas beneficiadas pelo programa Bolsa Família ou outro programa de assistência social. Essa realidade piorou com a pandemia da Covid-19.

“Todos esses números apresentados pela CPT são reflexos e consequências do desmonte que o Brasil vem sofrendo nos últimos anos, desde o sucateamento dos órgãos agrários, a exemplo do INCRA, à destruição das Leis de fiscalização ambiental. Enquanto o governo abre a “porteira” para o agronegócio e as grandes empresas nacionais e internacionais passarem e destruírem o nosso patrimônio natural, em detrimento dos interesses do capital, os povos do campo, da floresta e das águas e o meio ambiente aos poucos estão sendo dizimados. Precisamos enquanto CONTAG, Federações e Sindicatos, nos unirmos com outras organizações do campo, e defendermos os nossos territórios e a nossa gente guardiã da natureza”, destaca o secretário de Política Agrária da CONTAG, Alair Luiz dos Santos.

Alair ainda destaca a importância da reforma agrária como mecanismo principal para resolver os conflitos no campo e dos acordos e convenções trabalhistas como ações que têm garantido os direitos dos trabalhadores rurais assalariados(as) rurais.

FONTE: Comunicação CPT com edição da Comunicação CONTAG – Barack Fernandes

 

Publicações relacionadas