Movimentos sociais e movimento sindical rural elaboram propostas para os governos federal e estadual sobre os impactos da instalação dos empreendimentos de energia eólica e solar sobre a agricultura familiar na Paraíba

Foto: Mabel Dias

Energia renovável descentralizada, retirada de aerogeradores dos quintais das casas de agricultores familiares e mutirão de formação sobre os contratos para as comunidades atingidas pelas empresas de energia eólica e solar. Estas foram algumas das propostas apresentadas durante o Encontro de Juristas e Advogadas/os da Paraíba para debater os direitos dos/as agricultores/as frente à expansão das energias renováveis, realizada na FETAG-PB, nesta terça-feira (31), em João Pessoa.

O encontro contou com a participação do representante do governo federal, Fábio Tomaz, advogadas/os dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, o procurador da República, José Godoy, e o defensor público da União, Edson Andrade, que junto aos dirigentes dos sindicatos dos trabalhadores rurais da Paraíba e aos movimentos sociais pensaram meios para barrar as violações de direitos que têm atingido as comunidades rurais. Integrantes de organizações de outros estados também participaram do encontro, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Cáritas, de Pernambuco, estado que também tem enfrentado problemas com a instalação dos empreendimentos eólicos e solar. O professor Carmélio Reynaldo, que integra o Comitê de Energia Renovável do Semiárido (CERSA), participou do encontro, além de representações da CONAQ, ASA, MST, ASPTA, Polo da Borborema, Cáritas, CPT  e Action-Aid.

“Não somos contra a energia renovável, mas sim a forma como está sendo feito aqui na Paraíba, causando muitos prejuízos ao trabalhador rural, sem o acompanhamento dos dirigentes dos sindicatos e dos advogados dos sindicatos. Por isso, estamos reunidos aqui na Fetag para encontrar uma forma em resolver os problemas que existem nas comunidades rurais e informar aos trabalhadores o que representam estes contratos que as empresas de energia renovável tem levado até eles.”, afirmou o presidente da FETAG-PB, Liberalino Lucena.

A coordenadora da CPT, na Paraíba, Vanúbia Martins, sistematizou todas as propostas discutidas durante o encontro e anunciou a entrega de uma carta à comitiva interministerial do governo federal, solicitando providências para solucionar os graves problemas que os agricultores/as familiares tem enfrentado com a instalação dos parques eólicos e solar na Paraíba. A comitiva é formada por representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, Minas e Energia, Saúde, Desenvolvimento Agrário, INCRA, FioCruz, além da Secretaria Geral da Presidência da República e está desde o dia 23 de outubro, visitando os territórios onde as empresas colocaram os empreendimentos eólicos e solar nos estados da Paraíba e do Pernambuco para conversar com os/as moradores/as destas localidades e organizar meios para solucionar os problemas que elas vêm enfrentando a partir da chegada destes empreendimentos em seus territórios.

Foto: Mabel Dias

O encontro também contou com a participação do professor da Universidade Rural de Pernambuco, Tarcísio Augusto Alves da Silva, que discutiu a expansão das energias renováveis no modelo centralizado e apresentou dados de uma pesquisa que seu grupo tem feito junto aos territórios afetados pelos parques. “A energia eólica é um lobo em pele de cordeiro”, pontuou o professor. “Este modelo implantado pelas empresas revela práticas de injustiça e racismo ambiental. Injustiça, no sentido que a gente compreende que são nesses espaços onde vivem quilombolas, indígenas, camponeses, camponesas que o direito ao território tem sido cada vez mais negligenciado. O outro aspecto é a ameaça à agricultura familiar, a voz das mulheres no semiárido paraibano tem denunciado isso constantemente, o avanço destas empresas tem impactado e ameaçado a produção desse modo de vida.”, ressaltou.

Foto: Mabel Dias

Para exemplificar a fala do professor Tarcísio Augusto, os agricultores familiares e assentados da reforma agrária, Zélia Melo e Marcos Elói, falaram como foi a chegada das empresas de energia renovável em seus territórios. “É do meu pedaço de terra que tiro meu sustento, onde crio meus filhos, meus netos, e luto para sobreviver na zona rural. Lá, eu crio minhas galinhas, minhas vacas. Se eu assinar estes contratos, eu perco tudo isso. Vou voltar para a periferia? É muito boa as promessas, mas a vida do trabalhador rural é na roça”, afirmou a agricultura Zélia Melo.

O advogado e integrante do CENTRAC, Claudionor Vital, apresentou os dilemas jurídicos dos contratos de arrendamento entre empresas de energia e agricultores/as. Ele dividiu a mesa com o também advogado e professor da Universidade Rural do Cariri, Rárisson Sampaio.

“As empresas internacionais estão chegando em nossos territórios, nas comunidades rurais, instalando seus empreendimentos, de maneira arbitrária, instalando os parques eólicos e usinas solares, para produzir energia elétrica e lucrar com a produção dessa energia, que não beneficia estas comunidades. O primeiro impacto causado é o desmatamento da caatinga. Estas empresas estão se apropriando dos territórios, através dos contratos de arrendamento, que trazem vantagens para as empresas e desvantagens para os trabalhadores rurais. Os contratos arrendam 100% das terras do agricultor, porque as empresas querem controlar os territórios, e assim esse agricultor que arrendou 100% das suas terras, ele ou seus herdeiros quando forem requerer algum benefício previdenciário vão ter problema. Outra coisa que estes contratos causam é que a terra que era usada para produzir alimentos, passa a produzir só energia e se houver um conflito de uso desta terra, e isso for para a Justiça, certamente, se for entendido que o contrato está correto, vai dar direito à empresa, que a propriedade a partir dali, da assinatura do contrato, será utilizada para produção de energia apenas”, informou o advogado.

Foto: Mabel Dias

O professor Rárisson Sampaio ressaltou a importância da escuta das comunidades que foram afetadas pelos parques eólicos e solar. “Não tem como falar em exploração energética sem olharmos para o uso da terra, ou agora, no litoral, para o uso do mar. É a partir destas relações, firmadas pelos contratos de arrendamento, que surgem as injustiças com os trabalhadores rurais,” disse. Ele apresentou um relatório técnico sobre os aspectos jurídicos da relação contratual entre empresas e comunidades do Nordeste brasileiro para a geração de energia renovável: o caso da energia eólica, elaborado pelo INESC e o Plano Nordeste Potência. “O estudo demonstra a existência de contratos-padrão, marcados por cláusulas com longos prazos contratuais, remunerações irrisórias, contrapartidas sociais insuficientes, fixação de cláusulas desvantajosas, multas exorbitantes e outras pactuações controversas aos interesses das comunidades envolvidas”, ressaltou Rárisson.

A última mesa do encontro contou com a participação do procurador da república, José Godoy, e o defensor público da União, Edson Andrade. Eles debateram sobre o direito à consulta prévia e ao consentimento informado pelas comunidades rurais sobre se querem ou não a instalação destes empreendimentos em seus territórios, mostrando os caminhos dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, assentamentos da reforma agrária e comunidades rurais. “A energia gerada pelos aerogeradores ou placas solares destas empresas, instaladas nestes territórios, não fica para as comunidades, ela vai para o sul, sudeste, deixando os impactos sócio-ambientais para os moradores destes territórios. O poder público precisa estabelecer políticas públicas para que se estabeleça a paridade nesta negociação, entre os moradores destes territórios e as empresas. Existem muitos danos causados e é preciso avançar, com reequilíbrio financeiro dos contratos, indenização dos danos, benefícios sociais, etc”, frisou o procurador da República.

Fotos: Iris Porto

Mabel Dias – Assessoria de Comunicação da FETAG-PB

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