Senado aprova projeto de lei que pode facilitar grilagem

 

foto: Adriano Gambarini- WWF/Brasil

Durante o pior momento da pandemia da Covid-19 no Brasil, em que mais de 3 mil pessoas estão morrendo diariamente, o Plenário do Senado Federal aprovou na noite de quinta-feira (15) um projeto de lei que facilita a concentração de terras dentro de assentamentos da reforma agrária e legitima casos emblemáticos de grilagem que resultaram em mortes e violência contra agricultores familiares.

Tendo sido aprovado em 2019 pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4348/19 não foi debatido por nenhuma comissão no Senado Federal, tendo sido colocado em votação diretamente no plenário, de um dia para o outro, mesmo não tendo nenhuma relação com saúde pública ou alívio econômico à população brasileira, assuntos que mereceriam ser votados em regime de urgência e deveriam ocupar a preocupação dos senadores. Vale lembrar, além disso, que tanto na Câmara quanto no Senado não houve nenhuma consulta ou participação de representantes de assentamentos, que serão diretamente impactos por essa alteração.

O projeto, que deverá ser novamente apreciado pela Câmara dos Deputados, por ter sido modificado pelo Senado Federal, permite que posseiros irregulares de lotes de assentamentos da reforma agrária –pessoas distintas daquelas que foram originalmente assentadas– possam ganhar o título de propriedade das terras ocupadas, mesmo que esteja ocupando vários lotes. Isso significa que, na prática, os ocupantes irregulares poderão legalizar áreas de até 2500 hectares, que são verdadeiros latifúndios, dentro do que um dia foi um assentamento da reforma agrária, anteriormente o limite era apenas até 4 módulos fiscais, ou pouco mais de 440 hectares (art. 18-A, §1º, I combinado com 26-B, ambos da Lei 8629/93). É um projeto que incentiva e legitima a reconcentração fundiária, indo na contramão da política nacional de reforma agrária.

O mais grave é que, caso venha a ser aprovado pela Câmara dos Deputados, ele poderá beneficiar não apenas agricultores familiares que de boa fé compraram a posse de lotes de assentados.

Segundo o diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, Raul do Valle, dada a proposital amplitude, o projeto pode legalizar casos famosos de grilagem, ou seja, de pessoas que usaram da violência para expulsar assentados e se apossar de suas terras. “Não são poucos os relatos de líderes de assentamentos que combatem madeireiros e grileiros que estão com suas vidas ameaçadas. E, infelizmente, também não é pequeno o número de assassinatos envolvendo essas lideranças”, destaca Valle.

É o caso do Projeto de Assentamento Pilão Poente III, em Anapu (PA), que registrou no ano passado aumento das queimadas provocadas por grileiros e madeireiros, e ameaças a suas lideranças. Já no PAE (Projeto de Assentamento Agroextrativista) Lago Grande, em Santarém (PA), que vêm sofrendo pressões de fazendeiros para expansão da soja e para mineração, existe forte pressão para dissolução do assentamento.

“Nos últimos dois anos o número de casos de violência rural na Amazônia tem aumentado, justamente pela expectativa gerada nos invasores de terra de que não só não haverá punição, mas que também eles serão premiados com a propriedade das áreas invadidas”, alerta o diretor do WWF-Brasil.

Se também for aprovado o PL 510/21, em tramitação no Senado Federal, os grileiros terão um grande incentivo para expulsarem assentados de suas terras, pois poderão afirmar que são os possuidores da área (“posse mansa e pacífica”) usando apenas suas próprias declarações e imagens de satélite, mesmo para titulação de latifúndios.

Para ilustrar melhor essa situação, vale mencionar o estudo “Desmatamento nos Assentamentos da Amazônia” elaborado pelo Ipam. De acordo com essa análise, grande parte dos polígonos de desmatamento mapeados dentro dos assentamentos do bioma Amazônia são considerados pequenos, pois são menores que 10 hectares.

No entanto, esses polígonos representam apenas 28% da área desmatada nesses locais. O restante (72%) é composto por polígonos maiores que 10 ha e não condizentes com os padrões de desmatamento anual dos clientes da reforma agrária assentados no bioma, indicando um possível processo de reconcentração ou acúmulo de lotes por agentes externos aos assentamentos da região. Ou seja, não são os assentados que estão desmatando, mas sim médios fazendeiros e/ou pecuaristas não registrados na lista do registro de beneficiários do Incra.

“Desde o final do ano de 2016, com a edição da MP 759/16, há uma ofensiva para alterar a legislação de regularização fundiária, objetivando facilitar os procedimentos para médios e grandes proprietários. Para isso, utilizam-se do discurso de que as alterações irão beneficiar prioritariamente os agricultores/as familiares, o que não é verdade. Ademais, há ainda dezenas de Projetos de Lei que buscam tornar crime as ações das organizações sociais que fazem a luta pela terra, e outros que flexibilizam a legislação ambiental, ‘passando toda boiada’”, destaca o presidente da Contag, Aristides Santos.

Entretanto, em razão das alterações feitas pelo Senado Federal sobre o texto aprovado na Câmara dos Deputados, o PL agora volta para discussão nesta casa. Assim, é urgente o debate sobre esse Projeto na Câmara dos Deputados, com a presença de estudiosos e assentados, tendo em vista seu potencial de causar seríssimos impactos socioambientais.

FONTE: Por WWF-Brasil

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