Webinário discute os desafios para o enfrentamento ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas no Brasil

Combater o tráfico de pessoas e o trabalho escravo e conscientizar a sociedade para denúncia deste tipo de violência contra a dignidade humana são os principais objetivos da Campanha Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que está sendo realizada em João Pessoa, nesta terça (03) e quarta-feira (04).

A assessora jurídica da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares da Paraíba (FETAG-PB), Geane Lucena, participou do Webinário realizado nesta terça, de maneira virtual na plataforma da Escola Nacional da Defensoria Pública da União, e que contou com as palestras do juiz federal do TRF1, Carlos Haddad, e do procurador da República do Ministério Público Federal na Paraíba, Renan Paes Félix.

“O trabalho escravo e o tráfico de pessoas é uma mazela mundial e a Fetag, na Paraíba, tem participado das reuniões do núcleo de enfrentamento ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas no estado, pois sabemos que o público mais vulnerável e aliciado para esta prática são os trabalhadores e trabalhadoras rurais, que saem de suas cidades e acabam caindo numa situação de trabalho análogo à escravidão em outras regiões do Brasil”, ressaltou Geane Lucena.

A FETAG-PB, segundo Geane, junto com as entidades do núcleo tem o compromisso de mexer nessa ferida histórica, que é complexa, mas precisa ser tocada e enfrentada de maneira conjunta e articulada. Dados do Ministério Público do Trabalho e da Organização Internacional do Trabalho revelaram que entre 2003 e 2019, 874 paraibanos ou pessoas radicadas na Paraíba foram encontradas em situação de trabalho análogo à escravidão, em vários estados do Brasil. As cidades de Patos, Pombal, Juripiranga, Tavares e Araruna foram as principais cidades com o maior número de paraibanos resgatados.

A organização da Campanha está sendo realizada pelo Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba, juntamente com os parceiros da rede de enfrentamento ao tráfico de seres humanos que compõem o Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba e a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo da Paraíba.

Para Vanúbia Martins, representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Brasil tem uma dívida histórica consigo mesmo. “O Brasil se estrutura a partir da escravidão, é algo estruturante que leva a situações de trabalho análogo a escravidão e ao tráfico de pessoas. A pobreza possibilita que esse tipo de situação, que fere a dignidade humana, aconteça e enquanto não forem implementadas políticas públicas efetivas para inserção dessas pessoas no mercado produtivo, este problema persistirá”, afirmou.

Segundo o juiz federal, Carlos Haddad, o índice de condenação de empresas e pessoas que se utilizam da mão de obra escrava no Brasil ainda é muito baixo, chegando a 4,2%. “Até 2019, foram condenados definitivamente, pela justiça brasileira, cento e doze pessoas, que usavam trabalho escravo em diversas regiões do Brasil. E isso não significa que elas serão presas, e ainda podem entrar com recursos para rever as penas”, informou.

Outro dado trazido pelo juiz em sua palestra foi a ausência de provas consistentes, a morosidade dos processos e a pouca divulgação da chamada “lista suja”, que traz os nomes das empresas que se utilizam de mão de obra escrava no Brasil. De acordo com o juiz, o Pará é o estado brasileiro que está em primeiro lugar nesta lista, com 152 empresas identificadas, o que corresponde a 23,3%. Em seguida, vem os estados do Mato Grosso, com 76 empresas e Minas Gerais, com 77.

Ainda segundo o professor Carlos Haddad, são firmados Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e Ações Civis Públicas (ACPs) pelo Ministério Público Federal, mas não há fiscalização se os TACs  são cumpridos na íntegra pelas empresas e os argumentos utilizados nas ACPs pelos procuradores na denúncia são muito genéricos, o que dificulta a caracterização de prática de trabalho escravo ou tráfico de pessoas. Sobre as indenizações, o juiz disse que “o maior valor de indenização cobrado pelo MPF por dano moral coletivo, por trabalho escravo de brasileiros que foram levados para Angola, foi de 50 milhões de reais a empresa Odebrecht, da cidade de São Paulo, que ao final, fizeram um acordo e pagaram 30 milhões de reais”, afirmou.

Os dados apresentados por Carlos Haddad fizeram parte de uma pesquisa iniciada em 2008 e que mapeou sentenças civis e penais relativas ao trabalho análogo à escravidão na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho, realizada pela Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas e o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais.

As dificuldades de atuação do MPF e as ações já realizadas para o combate ao trabalho escravo e o tráfico de pessoas foram discutidas pelo procurador da República na Paraíba, Renan Paes Félix. Segundo ele, os principais casos encontrados pelo órgão foram de condições degradantes de trabalho e aliciamento de pessoas através de falsas promessas de trabalho, para submeter ao trabalho escravo ou a exploração sexual. “O MPF está empenhado em otimizar as produções de provas que possam embasar condenações e em tempo razoável. Desde 2004, integramos o grupo especial de fiscalização móvel, recebendo denúncias e indo até o local para verificar, in loco, a situação dos trabalhadores”, explicou.

O procurador relatou uma investigação realizada em fevereiro deste ano, em Minas Gerais pelo grupo de fiscalização móvel, que resultou na libertação de 25 trabalhadores, que estavam em condições subumanas de trabalho em carvoarias. A equipe constatou irregularidades nos alojamentos, alimentação, jornada de trabalho excessiva, no salário, nas instalações dos banheiros, e falta de água potável. “Os trabalhadores tinham que tomar banho em um rio, que estava bastante sujo e vizinho ao local onde eles dormiam, eram guardados material explosivo, o que colocava suas vidas em risco”, relatou.

Neste caso, o procurador informou que as empresas foram identificadas, inclusive aquelas que compravam o material produzido por mão de obra escrava e fizeram um acordo, que resultou no pagamento das verbas trabalhistas.

Assessoria de Comunicação da FETAG-PB

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