Auxilio a agricultor pobre atende só 1% da promessa e deixa famílias na mão

Foto: Divulgação

A produtora rural Daniela Brás dos Santos, 33, cuida de plantações em sua pequena propriedade em Flores, no sertão de Pernambuco. Ela poderia receber, além do Auxílio Brasil, o valor do Auxílio Inclusão Produtiva Rural, mas esse benefício ficou praticamente no papel e chegou a somente 1% de quem deveria atender. A página oficial sobre o programa diz que “são 660 mil famílias de agricultores beneficiários do Auxílio Brasil indicadas pelo Ministério da Cidadania aos municípios”.

Mas, passados nove meses de sua criação, apenas 7.000 famílias desse total estimado receberam o valor em setembro, segundo dados do próprio Ministério da Cidadania. Por mês, deveriam ser pagos a essas famílias R$ 200 para amparar a produção, ou seja, ajudar para que o agricultor fature mais e conquiste a chamada emancipação produtiva. Para isso, o governo reservou R$ 187 milhões em 2022, mas gastou até setembro apenas R$ 7 milhões. “O beneficiário será mantido na ação de incentivo à produção independentemente da manutenção da família no Programa Auxílio Brasil, condicionada à permanência da família no CadÚnico [cadastro único de programas sociais], pelo período de até 12 meses”, diz a pasta.

Se hoje o programa beneficia poucas pessoas, para 2023 o valor será ínfimo: o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) enviado por Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso prevê apenas R$ 1,26 milhão, o que é insuficiente inclusive para manter os pagamentos às famílias que hoje recebem o valor. Mesmo se executado na íntegra, o valor orçado dará apenas para pagar o benefício a 527 agricultores, se levarmos em conta o período de 12 meses.

A coluna procurou o Ministério da Cidadania para saber por que tão poucos beneficiários recebem o auxílio, mas não obteve resposta.

‘Não dá para me sustentar’ Enquanto espera por ajuda, Daniela continua com seu pequeno negócio. Toda semana, ela leva geleias, polpas e pimentas para vender na feira livre da cidade de Flores, mas lamenta que o valor faturado é sempre baixo. “Não dá para me sustentar só com a feira. Eu levo, mas volto com a maioria dos produtos”, conta.

Uma ajuda que poderia ter é se o governo comprasse ou indicasse a quem, e assim eu soubesse quanto iria vender. Aí, sim, compensaria. Mas hoje tiro R$ 90 por semana, e desse valor ainda tenho de tirar parte para comprar o material”, diz.

Daniela planta em sua propriedade itens como feijão, milho, couve, pimenta e plantas medicinais, além das tradicionais frutas para consumo próprio. Até o ano passado, ela não recebia o Auxílio Brasil porque tinha uma renda pela CJMA (Comissão de Jovens Multiplicadores da Agroecologia), que incentiva projetos voltados à permanência do jovem no campo. Os recursos são da organização civil TDH (Terre des Hommes, ou Terra de Homens).

“Mas os projetos são apenas para quem tem entre 15 e 30 anos. Como é trienal, eu recebi até ano passado. Neste ano, começou outro triênio e não pude mais pela idade”, diz.

Erros de concepção minam promessa Além de beneficiar poucas famílias, o auxílio não foi divulgado entre o público-alvo. Consultados pela coluna, vários sindicatos, associações de produtores rurais e agricultores não sabiam da existência do benefício, nem foram instruídos a se inscreverem.

Segundo Priscilla Cordeiro, assistente social e conselheira do CFESS (Conselho Federal de Serviço Social), o Auxílio Inclusão Produtiva Rural não foi objeto de divulgação e possui vários erros de concepção.

“Ele não foi divulgado nem para o conjunto de trabalhadores da política de assistência social. Parece ser mais uma iniciativa para constar, um aceno à agricultura familiar, junto com o Alimenta Brasil (antigo Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA), de fomento à agricultura familiar, do que uma política consistente para o setor”, afirma. Ele diz que, dessa forma, a execução dos programas sociais do governo estão “extremamente descoladas da realidade”.

“Eles não se valem da rede socioassistencial já estruturada para alcançar o público prioritário, como os CRAS e CREAS [centros de referência de assistência social] que estão nos territórios atendendo a população em situação de pobreza e extrema pobreza”, diz.

Cordeiro ainda explica que auxílios para o pequeno produtor são fundamentais e deveriam ser priorizados pelo governo. “Eles são cruciais, sobretudo num cenário de pandemia, em que a agricultura familiar ficou extremamente vulnerável, sem incentivo. Mas a realidade é que esse programa não tem repercutido na prática”, diz. Ele afirma que, além de ser um programa restrito e malfeito, faltou articulação com as instâncias e instituições de pactuação do sistema de segurança alimentar. “Ele não faz parte do escopo do SUAS [Sistema Único de Assistência Social] e acaba fadado ao fracasso porque não é executável.

Fonte: Reportagem Carlos Madero (UOL).

 

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