Nesta nota técnica analisamos o orçamento da Educação para 2023 e sua comparação com os anos anteriores. Partimos dos demonstrativos de despesa divulgados com regularidade pelo Tesouro Nacional, conforme regrado na Lei de Responsabilidade Fiscal, e em outras leis que regulamentam o gasto em educação. O gráfico abaixo com dados do demonstrativo de “Despesa da União por função”, deflacionados a preços de 2021, pelo IPCA mostram claramente que as despesas com Educação e Cultura se expandiram significativamente entre 2007 e 2014.¹ Sendo que a Educação representou 99,4% do gasto total nas duas funções em 2021, ou seja, estamos falando basicamente da Função Educação.² Entre 2014 e 2017, a despesa mantém uma relativa estabilidade, caindo significativamente a partir de então.
O gasto do governo reflete diretamente o seu projeto para o País. No orçamento, o governo põe em prática seu projeto, elencando as prioridades para as quais serão destinados os recursos financeiros limitados, previstos na própria peça orçamentária. A inscrição de despesas pagas e restos a pagar indica objetivamente quais políticas são ou não prioridade, quais recebem mais ou menos recursos em diferentes governos e dentro de uma mesma gestão. É lógico que o setor público tem alcançado um enorme ganho de produtividade nos últimos anos, fruto da capacidade técnica de uma burocracia nomeada por concurso público, com estabilidade, bons salários e planos de carreira que incentivam a orientação de longo prazo.
Neste sentido, as despesas com educação refletem, de um lado, este ganho de produtividade e, de outro lado, a importância que cada governo confere a determinada área. Há um consenso de que a área da educação é estratégica para o desenvolvimento nacional e para a cidadania, e o Brasil ainda possui enormes desafios a serem enfrentados até que consiga atingir os objetivos de universalização e qualidade do ensino.
Os dados da PNADC/IBGE de 2019 mostram que tínhamos 6,6% de analfabetos/as com 15 anos ou mais, e 18% com 60 anos ou mais. O analfabetismo varia enormemente por região, enquanto no Sul se resume a 3,3% para população com mais de 15 anos e 9,5% com mais de 60 anos; na região Nordeste atinge 13,9% e 37,2%, respectivamente. Ao que tudo indica, ficaremos longe de cumprir a meta do Plano Nacional da Educação 2014-2024, que projetava a erradicação do analfabetismo para população acima de 15 anos em 2024.
Num ranking com 215 países, para 2018, sistematizado pelo Banco Mundial, o Brasil está entre os 100 países com maior índice de analfabetismo, ficamos atrás de outros 115 países. Apenas 64 dos países têm menos de 2% de analfabetismo e somente sete tem 100% da população alfabetizada. Isso sem falar dos desafios da qualidade, e qualificação profissional e do avanço científico, dos quais dependem os recursos e políticas do País para o setor.
O demonstrativo de gasto é um indicador importante, nos dá uma visão precisa do passado. Mas, orçamento nos mostra também o presente e, o mais importante, qual o olhar, o projeto do governo para o futuro, inscrito no Plano Plurianual e no Orçamento Anual. O orçamento da educação teve uma queda clara a partir de 2017. Segundo a nota técnica da consultoria de orçamento do Congresso Nacional, “o volume de recursos previstos no PLOA 2023 para o Ministério da Educação (R$ 147,4 bilhões) mantem-se próximo à média empenhada nos últimos anos, apesar de situar-se abaixo do valor autorizado para 2022 (R$ 151,9 bilhões). Desses valores, R$ 40,0 bilhões são destinados à complementação da União ao Fundeb, que tem sido ampliada progressivamente desde 2021, em razão da aprovação da EC nº 108/2020”.³
O orçamento do Ministério da Educação (MEC) permaneceu relativamente estável no período de 2016 a 2023, mas declinou significativamente quanto comparado com o período de 2013 a 2015. As despesas do MEC chegaram a R$ 159,2 bilhões, em 2014, superando em R$ 11,8 bilhões o previsto no PLOA 2023. Neste sentido, a consultoria de orçamento do Congresso Nacional concluiu que “as despesas com educação mostram-se praticamente estáveis ao longo do período, apesar da significativa elevação da complementação do Fundeb promovida pela Emenda Constitucional n° 108/2020, sinalizando que as demais despesas da área foram comprimidas.” Como indica o gráfico abaixo, as funções de educação superior, educação básica (exceto Fundeb), e educação profissional perderam recursos expressivos no orçamento, em termos reais, desde 2019.
Em decorrência da aprovação do novo Fundeb, em 2020, a Complementação da União ao Fundo tem sido ampliada progressivamente até alcançar 23% em 2026. O da complementação da União, ainda que excluída do Teto dos Gastos, tem ocorrido em detrimento de outras políticas educacionais desenvolvidas pelo Ministério da Educação, frustrando as expectativas de aumento do gasto na área como proporção do PIB, como estabelecido pelo PNE. O corte das rubricas específicas mostra que o governo parece ter aproveitado o aumento da participação do Fundeb para “descentralizar” políticas importantes trabalhadas pelo MEC, dando dinheiro com uma mão e tirando com a outra”.
A CONTAG tem buscado dar destaque à educação pública como uma das políticas centrais para o desenvolvimento do campo, e a melhora da qualidade de vida da população rural e dos agricultores e agricultoras familiares. Neste sentido, enumeramos algumas políticas específicas que têm sofrido com o corte de verbas e a ameaça à continuidade de programas. Não foi destacada a ação “00PI – Apoio à Alimentação Escolar na Educação Básica (Pnae), em virtude de já termos detalhado os desafios específicos desta ação em nota técnica anterior: https://ww2.contag.org.br/subsecao-do-dieese-na-contag-avalia-a-correcao-dos-valores-aluno-do-pnae-e-seu-impacto-no-orcamento-20220923
As ações destacadas, a seguir, foram comparadas em valores nominais, destacando a variação entre os valores da dotação inicial aprovada na Lei Orçamentária de 2022 (LOA 2022) e os valores propostos pelo poder Executivo no Projeto de Lei Orçamentária para 2023 (PLOA 2023):
1. A ação “0RP – Apoio à Infraestrutura para a Educação Básica” perde praticamente 100% da verba em relação a 2022, passando de R$ 945,5 milhões para R$ 3,5 milhões.
2. A ação “0E53 – Apoio ao Transporte Escolar para a Educação Básica – Caminho da Escola” perdeu 98% da sua verba na proposta do governo para 2023, em relação a 2022. A verba prevista para 2023 é de R$ 425 mil, contra R$ 17 milhões em 2022, e R$ 313,5 milhões no primeiro ano do atual governo, 2019.
3. As ações “0509 – Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica” e “20RJ – Apoio à Capacitação e Formação Inicial e Continuada para a Educação Básica” tem queda de 95% da verba prevista para 2023 em relação a 2022. A primeira, passa de R$ 590,5 milhões para R$ 29 milhões. Sendo que em 2019 chegou a R$ 806,7 milhões.
4. A ação “20RG – Expansão e Reestruturação de Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica” perdeu 67% da verba em relação a 2022, passando para R$ 90 milhões.
5. A ação “20RX – Reestruturação e Modernização de Instituições Hospitalares Federais” tem corte estimado de 45% da verba para 2023, em relação a 2022, passando para R$ 352,7 milhões.
6. A ação “8282 – Reestruturação e Expansão de Instituições Federais de Ensino Superior” tem corte estimado de 36% da verba em relação a 2022. O valor previsto pelo governo para 2023 é de R$ 500,8 milhões, contra R$ 959,8 em 2019.
7. A ação “20GK – Fomento às Ações de Graduação, Pós-Graduação, Ensino, Pesquisa e Extensão” perde 35% da verba para 2023, ou R$ 182,6 milhões em relação a 2022.
8. A ação “20RQ – Produção, Aquisição e Distribuição de Livros e Materiais Didáticos e Pedagógicos para Educação Básica” perde 19% da verba para 2023, ou R$ 540 milhões em relação a 2022.
9. A “0487 – Concessão de Bolsas de Estudos” vai na mesma linha também com redução de 18% e perda de R$ 463 milhões em relação a 2022.
10. A ação “00IG – Concessão de Financiamento Estudantil – FIES” tem redução prevista de 13% da verba ou R$ R$ 730 milhões em relação a 2022.
11. As ações “20RL – Funcionamento das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica” e “20RK – Funcionamento de Instituições Federais de Ensino Superior” perderam cada uma 13% da verba na previsão do governo para 2023, uma redução de R$ 788,8 milhões em relação a 2022.
12. A ação “00P1 – Apoio à Residência em Saúde”, essencial para formação de médicos, perde R$ 101 milhões em relação a 2022.
Temos o aumento do aporte da União no Fundeb para a ação “00SB – Complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Novo FUNDEB”, que cresce 33%, passando de R$ 30 para R$ 40 bilhões; e para a ação “20RM – Exames e Avaliações da Educação Básica”, com aumento previsto de 56% em relação a 2022, passando para R$ 1,163 bilhão.
Os destaques feitos aqui não pretendem esgotar a análise do orçamento da educação, mas podem servir de subsídio importante para discussão do orçamento do próximo ano, que tem como data final para a apresentação de emendas até 14/11/2022, logo após as eleições.
Links:
1. Cartilha para sugestão de emendas por área:
2. Cronograma da análise do Orçamento para 2023:
https://www.camara.leg.br/internet/comissao/index/mista/orca/orcamento/OR2023/Cronoalterado_2.pdf
¹ A classificação funcional está representada em cinco dígitos. Os dois primeiros dizem respeito à função, que pode ser traduzida como o maior nível de agregação dos diversos espaços de atuação do setor público. A função guarda relação com a missão institucional do órgão ou instituição. Já os três dígitos seguintes referem-se à subfunção.
² A escolha de unir as duas áreas é que os demonstrativos desde 1997 em alguns momentos uniram a área da cultura e educação, tornando mais prático para comparação temporal manter a agregação para todos os anos.
³ Congresso Nacional. NOTA TÉCNICA CONJUNTA NO 5/2022. SUBSÍDIOS À APRECIAÇÃO DO PROJETO DE LEI ORÇAMENTÁRIA (PLOA) PARA 2023PL Nº 32/2022-CN, setembro de 2023. Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle – CONORF (SF) e Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira – CONOF (CD).
Análise elaborada pela Subseção DIEESE/CONTAG – Alexandre Ferraz. Edição: Comunicação da CONTAG – Verônica Tozzi.